domingo, 29 de maio de 2016

O tiro saiu pela culatra

Articulação contra a Lava-Jato teve efeito contrário: em lugar de extinguir ou enfraquecer a operação, fortaleceu-a.

Zuenir Ventura, o GLOBO
Antes de mais nada, talvez fosse o caso de propor um Prêmio Esso, na categoria revelação, para o gravador, mesmo sabendo que ele não gosta de aparecer. Afinal, os maiores furos jornalísticos destes últimos tempos foram desse aparelhinho invisível e diabólico. Basta lembrar o grampo de Sérgio Machado em Romero Jucá e agora em Renan Calheiros e José Sarney, sem falar no registro da famosa conversa entre Lula e Dilma.

Depois das delações premiadas, ele tem sido o maior colaborador de Sérgio Moro nas investigações da Lava-Jato. A sério, gostaria de ver uma matéria explicando como ele age escondido — onde fica o microfone? Como fazer para o interlocutor não perceber? Quais os disfarces usados pelo operador?

Com seu trabalho anônimo, ele tem mostrado aspectos desconhecidos e até inconfessáveis de vários políticos e empresários. Deve haver muitas figuras da República discutindo o desempenho nesses áudios. “De você, ele só falou mal; a mim, ofendeu e assim saí melhor na foto”.

Sim, porque nessas gravações, falar mal às vezes faz bem e pode até melhorar a reputação do citado. O que compromete é o elogio. Nesse item, o ministro do STF Teori Zavascki e o procurador da República, Rodrigo Janot, foram os que mais ganharam prestígio e respeito (Moro é hors-concours). O primeiro foi considerado de difícil acesso e o segundo, xingado de “mau-caráter” por Machado e Renan.

Mais grave, porém, foi a descoberta do complô para atingir a Lava-Jato sob a alegação de que o mundo político estaria a perigo e com muito medo. Na verdade, mais do que acabar com a operação, o objetivo seria enquadrá-la, domesticá-la, limitando seu poder de ação.

Para isso, a providência mais importante seria mudar a lei de delação premiada, responsável pela explosão de uma bomba atrás da outra. A maior ironia dessa conspiração é que o tiro saiu pela culatra: o efeito produzido foi o contrário do pretendido.

Em lugar de extinguir ou enfraquecer a Lava-Jato, fortaleceu-a, garantindo a sobrevivência e até mesmo o reforço da operação comandada por Sérgio Moro, pois os que foram apanhados arquitetando na sombra um plano contra ela tiveram que vir a público prometer defendê-la, como o senador Renan, que, logo após a divulgação dos grampos, lançou nota declarando que as investigações da força-tarefa são “intocáveis”.

Entretanto, a palavra mais confiável, essa, sim, capaz de tranquilizar a sociedade, é a do ex-ministro do STF Ayres de Brito, garantindo que um “acordão” esbarraria na “vontade popular”. Além do mais, ele afirmou, “a Lava-Jato está vacinada contra qualquer tentativa de embaraço, de esvaziamento, de bloqueio, ela se autonomizou. Não há conluio que a impeça de prosseguir”.


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