domingo, 10 de abril de 2011

A SECA DE 1932

No ano de 1932, houve uma grande seca em todo o sertão baiano. Foi a maior seca já vista em nossa região, gerando sofrimento de toda espécie; carência total de água, alimento e trabalho. Todos os tanques que abasteciam a população e forneciam água para os animais secaram. Nós já morávamos na fazenda Itaporoca e eu tinha 11 anos de idade. A água para beber íamos buscar no açude da Estrema que ficava a oito quilômetros de casa; era transportada no lombo de jumentos. Para dar de beber aos animais, foi cavado um poço de seis metros de profundidade dentro do tanque do Esgoto. A água era tirada do poço e servida aos animais em cochos de madeira de barriguda. Por ser muito salobra, os animais só bebiam quando não suportavam mais a sede. Para a alimentação do gado bovino, caprino e ovino davam-se mandacaru de facho e outros. As galhas eram derrubadas sobre folhas de alecrim e tocava-se fogo para queimar os espinhos. Depois, a planta sapecada e sem espinhos era oferecida ao gado; aos cavalos davam-se raízes de mandioca que tinha ficado fofas por causa da estiagem prolongada; eram arrancadas, deixadas de um dia para outro descansando a fim de perder a toxidez e não envenenar os animais. Nessa época, a fim de que a população não morresse de fome, o Governo Federal abriu frentes de trabalho. Uma dessas frentes foi a construção do trecho a BR 116, conhecida como Transnordestina, entre Serrinha e Tucano. Os trabalhos foram assumidos pelo então governador da Bahia, Juracy Montenegro Magalhães. Toda a obra foi feita a braço de homem usando picaretas, pás, carrinho de mão, banguês e outras ferramentas adequadas em uso na época. Meus irmãos mais velhos, Nenzinho e José, trabalharam nessa estrada. José ficou trabalhando na localidade chamada Cabeça da Vaca e Nenzinho próximo a Pedras (hoje, Teofilândia). A estrada não tinha o traçado que tem hoje. Não passava pela Pedra. Da Cabeça da Vaca seguia direto, passando pelo açude dos 18 e, daí, seguia pela Bola Verde. Nos 18, construíram um desvio que passando pela Pedra, ia se encontrar com a BR 116 na Fazenda Boa Esperança em direção ao Raso (hoje, Araci). Lembro-me que meu pai mandou-me ir a pé da Fazenda Itapororoca até a Cabeça da Vaca, onde trabalhava meu irmão José, apelidado como José Perigo. Fiz o seguinte trajeto: Saindo da Itapororoca, passando pelas fazendas Lajedo, Viração, Cajueiro até encontrar a construção da estrada. Eu só conhecia a estrada até o Cajueiro; de lá para diante, eu não conhecia nada. Mas meu pai tinha-me dito que ao chegar ao Cajueiro, procurasse a tenda de ferreiro do senhor Avelino; dali, tomasse o caminho em direção do nascente e seguisse em frente, tendo como referência o Morro dos Dois Irmãos (que ficava à vista) até encontrar o trecho da estrada em construção. Assim eu fiz até chegar ao destino. Era uma sexta-feira. Eu tinha saído da Itapororoca ao meio dia e já eram cinco horas da tarde quando cheguei ao local para onde me dirigia. A finalidade da viagem era levar-lhe uma mensagem de meu pai, para meu irmão José, pedindo que ele entrasse em contato com outro irmão Nenzinho, que trabalhava em outra turma próximo a Pedras, para ver se ele conseguiria um pasto para por os cavalos, visto que por lá havia chovido recentemente e algum capim já começava a nascer. O dia seguinte, sendo sábado, os homens só trabalhavam até as nove horas. Arriado o trabalho, iam a Serrinha, a pé e a toda pressa, para chegarem a tempo de receber o vale para as compras nos estabelecimentos comerciais de Nenezinho Carneiro e de Macário, que eram os fornecedores. Com o vale podia-se comprar farinha, carne do sol ou do sertão e um pouco de feijão. Eu acompanhei o pessoal até Serrinha. De posse dos vales, meus irmãos fizeram as compras, tiraram o necessário para o sustento deles e entregaram-me 10 litros de farinha num saco e um pedaço de carne do sertão para levar para casa. Como já estava tarde, dormi em casa de nosso tio Josias. No outro dia pela manhã cedinho, joguei o saco com o mantimento às costas e pus-me a caminho pegando a estrada que passava pelo Brejo, Serra do Brandão, Licuri, Malhada da Aroeira, Fonte da Bezerra com destino à Itapororoca. Da Itapororoca para Serrinha havia duas opções de caminhos: pelo Lajedo ou pela Serra do Brandão. Ambos eram-me muito familiares, pois fazia esse trajeto muitas vezes a cavalo. Acontecia eu sair de Serrinha quando as luzes da cidade já estavam acesas (A iluminação da cidade era fornecida por uma máquina movida a vapor alimentada a lenha). Muitas dessas viagens fiz a passos lentos de cavalos fracos. Eu chegava a cochilar sobre a sela e perder o chapéu. Certa vez saí muito tarde de Serrinha. Demorando a chegar, minha mãe, preocupada, saiu ao meu encontro. Enquanto eu dormia na sela do cavalo, ouvi alguém me chamando; acordei assustado e percebi que era minha mãe no meio da escuridão da noite. Estávamos a uma légua (seis quilômetros) de casa. Com um pouco mais de caminhada, chegamos à casa. Missão cumprida. (Conf.: "BARROCAS-BAHIA: Origm, Fazndas, Pessoas, Política e Fatos" - autoria de João G. P. Neto e Tiago de Asis Batista - 2011.

Nenhum comentário:

Postar um comentário